quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças. (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, direção: Michel Gondry, 2004)


Exibição marcada para: 25/03/09. Comentários: Eduardo Benedicto (psicanalista Clin-a) e Lelo Guazzelli (publicitário da Seção de Atividades Culturais-USP)
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Sinopse (por Rodrigo Cunha)
O que parecia impossível aconteceu: Charles Kaufman se superou. Kaufman já havia escrito algumas semi obras-primas, como os magníficos roteiros de Quero Ser John Malkovich e Adaptação, então já sabia que podia esperar algo bom de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Esperava algo bom, mas, sinceramente, não tão bom! Além de demonstrar o inteligente modo de contar histórias a que estamos acostumados, aproveitando todas as ramificações que o fio condutor principal proporciona, dessa vez ainda há um tema bastante comum, discutido entre praticamente 99% das pessoas que irão assisti-lo: os problemas de relacionamento. Kaufman é um caso raro atualmente em Hollywood, onde o roteirista consegue chamar tanta atenção quanto as estrelas que atuam nos filmes em que escreve, já que não dirige seus trabalhos.
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Curta Antes: Piolim: A Trajetória Iluminada do Maior Palhaço Brasileiro
Direção coletiva: Antônio Torres, Cristina Dias, Helenita Sommerhalder-Miike, Larissa Nalini, Luís Ribeiro, Lelo Guazzelli, Regina Célia Reis, Régis Agostinho)




quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Um Amor Quase Perfeito (Direção: Ferzan Ozpetek/2001)

Exibição Marcada para: 12/11/08. Comentários: Andréia Attié França (psicanalista lacaniana) e Edgar de Castro (presidente da São Paulo Film Commission)

Sinopse

Antonia (Margherita Buy) e Massimo (Andrea Renzi) formam um casal feliz que está casado há 10 anos, até que ele morre repentinamente em um acidente de carro. Desolada com o mundo, Antonia se afasta de todos pouco após a morte do marido. Até que, por acaso, ela encontra uma declaração amorosa a Massimo entre seus pertences. Curiosa em saber quem era a pessoa com quem seu marido mantinha um relacionamento às escondidas, Antonia descobre que Massimo manteve durante 7 anos um relacionamento homossexual com Michele (Stefano Accorsi). Surpresa com a revelação, o convívio cada vez maior entre Antonia e Michele faz com que ambos percebam terem muitas afinidades em comum.

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Curta Antes: Fotografia (direção de Gustavo Gallo)

sábado, 6 de setembro de 2008

O Fabuloso Destino de Amelie Poulan (Direção: Jean-Pierre Jeunet/2001)

Exibição Marcada para: 15/10/08. Comentários: Mauro Moura Mohan (psicanalista Clin-a) e Carlos Arantes (fotógrafo USP-Ribeirão Preto)

Sinopse:

O filme conta a história de Amélie, uma menina que cresceu isolada das outras crianças. Isso porque seu pai achava que Amélie possuia uma anomalia no coração, já que este batia muito rápido durante os exames mensais que o pai fazia na menina. Na verdade, Amélie ficava nervosa com este raro contato físico com o pai. Por isso, e somente por isso, seu coração batia mais rápido que o normal. Seus pais, então, privaram Amélie de freqüentar escola e ter contato com outras crianças. Sua mãe, que era professora, foi quem a alfabetizou até falecer quando Amélie ainda era menina. Sua infância solitária e a morte prematura de sua mãe influenciaram fortemente o desenvolvimento de Amélie e a forma como ela se relacionava com as pessoas e com o mundo depois de adulta. A partir de então, Amélie se engaja na realização de pequenos gestos a fim de ajudar e tornar mais felizes as pessoas ao seu redor. Ela ganha aí um novo sentido para sua existência. Em uma destas pequenas grandes ações ela encontra um homem por quem se apaixona à primeira vista. E então seu destino muda para sempre...

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Projeto Curta Antes: Exibição do Curta Espinha Dorsal

Direção Marcos Amorim

Apresentação do Filme Acidente 03/09/08


(Fotos gentilmente cedidas pelo amigo Aurélio e por Cristianni)
Convidados: Aurélio Pinto Cardoso e Bianca Coutinho
Mediação da Mesa: Sabrina Thompson

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Acidente (Direção: Cao Guimarães, Pablo Lobato/2006)

Exibição marcada para o dia 03/09/08. Comentários: Bianca Coutinho (psicanalista) e Aurélio Pinto Cardoso (Coordenador do Museu de Imagem e Som de Ribeirão Preto)

Sinopse:
Um poema composto por nomes de 20 cidades com até seis mil habitantes ganha forma por meio de sons e imagens produzidos pelo imprevisto do encontro entre a equipe de filmagem e personagens reais. Cada palavra do poema é um nome de cidade e cada cidade, um ponto do percurso. Num movimento de imersão e submersão, o filme desliza por esses lugares através de duas camadas narrativas. Uma formada pela história do poema e outra, pelos eventos ordinários que surgem acidentalmente diante da câmera em cada uma das cidades. Percepção aberta para deixar-se mesclar ao cotidiano de cada lugar e atenta para eleger um acontecimento qualquer, possível de se relacionar com o poema e capaz de revelar o quanto a vida é imprevisível e acidental.
Direção: Cao Guimarães e Pablo Lobato.
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Projeto Curta Antes: O Melhor sorriso de Getúlio.
Direção: Fernando Schimidt


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Acidentalmente
(Por: Sabrina Rocha Stanford Thompson- Psicanalista Clin-a)
Não posso dizer que foi acidentalmente que Acidente* veio parar em minhas mãos.
Primeiro não acredito em acidentes. Acredito em ligações, acredito em desejos.
Não acredito em alguns acidentes da contingência, esses que chamamos acasos.
Só nos acidentes da realidade- E, algumas vezes, os lamento muito-
Uma amiga me disse que tinha Descoberto e barulho de vassouras feitas de folhas. As vassouras não eram de folhas, mas eu também fiz questão de ver assim.
Um presente jamais me foi dado, por duas vezes e por duas pessoas.
E foi Vilas Volantes que me o trouxe: em verbos contra o vento.
Porque eu venho das dunas brancas, de onde eu queria ficar* e elas me presenteiam até hoje.
Só numa cidade d’ éssas uma cachorra gorda e prenha, com peitinhos estufados, tem a paciência de acordar tranquilamente para comer um sabugo de milho seco.
Essa cena foi o extrato que colhi desse sumo visual poético:

"Heliodora
Virgem da Lapa
Espera feliz
Jacinto Olhos d' água
Entre folhas, Ferros, Palma, Caldas
Vazante Passos
Pai Pedro Abre campo
Fervedouro Descoberto,
Tiros, Tombos, Planura
Águas Vermelhas
Dores de Campos"

Parabéns aos diretores: fazia algum tempo que eu não me deparava com uma elaboração tão sutil.

* Acidente é um documentário de Cao Guimarães e Pablo Lobato, que veio no Box do Vilas Volantes: verbo contra o vento. A amiga é a Bianca, que certamente apareceria em uma poesia. Só não sabia que era visual. As dunas brancas é uma música do Ednardo, ele me lembra o Ceará.
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Texto Apresentado na ocasião do Cine Cult-USP por Bianca Coutinho
’’Passamos á poesia.
Passamos á vida.
E a vida, tenho certeza é feita de poesia.
A poesia não é alheia- a poesia como veremos está logo ali, á espreita.
Pode saltar sobre nós a qualquer instante.
Pois as coisas perfeitas na poesia não parecem estranhas, parecem inevitáveis”
(Borges)


Numa geografia imaginária do Brasil, Cao Guimarães e Pablo Lobato, fizeram um recorte belo e comovente do interior de Minas, um retrato rico, com uma sucessão de pungências, emoções fundas e intensas, numa experimentação e exploração de possibilidades inovadoras de linguagem, com imagens que revelam uma sensibilidade aguda que derrama vida luminosa até em objetos inertes: balcão, talha, copos de água que dançam solitários, bola vermelha que baila delicadamente, flores de plástico cheias de vida e verdade, mergulho no infinito do ser.
O filme me chegou de forma acidental, e de repente, como um presente, ele me conduziu suavemente até Descoberto. Em poucos minutos, me tornei qualquer uma daquelas pessoas uma folha voando, um silêncio que diz , uma água caindo, um copo no chão, uma bola vermelha no corredor, uma névoa branca na madrugada, um barulho de charrete, um andarilho de pedras e morros.
Algo adormecido vibrou em mim, e se colocou nas entrelinhas sutis do corpo do filme e no meu, como se todas aquelas histórias, sensações, olhos e passos fossem parte do que eu sou.
E um acidente, de fato aconteceu numa horinha de descuido meu, entre um suspiro e outro, de vida e agonia.
Sabe aquele segredo que os outros nunca vão entender? E nem a gente mesmo sabe explicar? Aquele guardado num tempo que nunca mais volta? Pois é, Cao Guimarães e Pablo Lobato andaram por lá e quase descobriram as palavras mudas que meu olhar carrega.
Cidade por cidade, personagem por personagem, eu fui reconhecendo e me vendo ali nas frestas, nos buracos, nas reetrâncias.
E então, deixo de padecer com o parecer e passo a desconhecer: eu, o outro, aquilo que se dá a ver e começo a tatear as andanças e mineiridades.
No nome de menina Heliodora, a diferença que se faz visível mesmo no escuro, o desamparo e o desejo do amor, a vela que ainda ilumina, mas quase no fim aponta para a transitoriedade da vida e agita a crença cega na materialidade da qual precisamos nos travestir.
A busca do encontro com o acaso e com o inexplorado se dá é mesmo na penumbra, para qualquer um. Além do mero registro daquilo que os olhos são capazes de ver, a câmera se torna filtro ótico, capaz de interferir, mas também de se apagar.
O sagrado e o profano se encontram nos cânticos lamuriosos e nas meninas vestidas de virgem e com olhar brejeiro de Virgem da Lapa. A Vida nos salta quase como uma epopéia barroca e universal, e somos crença e erotismo, tradição e farra do espírito. Somos carnaval, semana santa.
Temos a lenta procissão de santos desnudados, de santidades invertidas em meninos nus, esperanças expostas no seu contrário. Prisioneiros da tradição, da ordem, e até da desordem nos libertamos de vez em quando, naquilo que se faz ouvir nos sussuros das brincadeiras infantis.
Somos todos mineiros ao assistir o filme, nas cores de nossa ausência, de nossa tangência, de nossa alteridade espantosa. Somos a intensidade e profundidade ao limite que entra na procissão da vida para tentar um deciframento. Queremos todos um lugar para quando o fim chegar, todos clamamos por misericórdia, ao olharmos o sofrimento arraigado no rosto marcado pelo tempo da velha senhora que canta enquanto anda.
A vida como romance sensível, cheia de conflitos, insegurança, paixão e doçura tem sua força nas imagens, na plasticidade e no movimento.
Naquilo que se vê, se deposita o potencial imaginário, mas é justamente nisso que se pode ver é que está também o trampolim para a libertação da concretude e o despertar para a entrega poética, onde as coisas deixam de ser duros depositários de nomes e alcançam transparência.
Numa Espera Feliz, se aguarda com uma nostalgia viva sabe-se lá o quê. Mas alguma coisa é esperada :lá nas fotos de futebol, na ginga, no ritmo antigo onde a vida corre lentamente, enquanto corpos e copos em desencontro sublime e vagaroso formam uma alquimia entre ouro e sangue, entre a riqueza e o drama. A tradição acalma e apazigua a existência. A espera feliz acontece num cão preguiçoso que nem precisa se mexer muito para aquilo lhe chega em deleite. Um existir gozozo e misericordioso. Crianças brincam e chegam em algum lugar ou lugar nenhum. O que conta é mesmo a Espera, isso é que dá vida por aquelas bandas.
Em Jacinto,um quadro dos antepassados, um homem embriagado não sei se pela vida ou por uma dor de amor machucado, cristalizado no tempo, marcado nos sulcos de um rosto que canta porque o instante existe, como na poesia.
Em Olhos d’’agua a contemplação de um segredo com olhos marejados ,na porta de um bar, na solidão da madrugada, no desamparo e aconchego mínimo daquilo que traz humanidade.
Em Entre Folhas, aquilo que cai em suavidade, um barulho de uma charrete em passagem, um bar, um contar cotidiano, e a vida, que continua passando devagar. Um homem toma um gole para algum torpor no vive, para amaciar a dureza brutal da existência.
Em Ferros o escorregadio do desejo que não se completa nunca e quando atingido é apenas vislumbre.
Em Palma, fanfarra solitária do homem com a tuba , nas ruas de pedra as bicicletas com o essencial, o banal e o complexo, o enganadoramente simples, a bola na rua, o resto que é brinquedo, um velho que é um andarilho sem lugar de chegada.
Em Caldas, a moça que convida para entrar e perde a chave nos aponta para o inexeqüível do encontro. No corredor deságuam as águas desse amor possível, nem mais, nem menos que se dá numa equação solitária: Uma banheira para cada, um transbordamento que é de cada um, mãos que não se encontram, bola que dança da cor do pudor no corredor, um jardim a ser cultivado e regado para que não morra a última centelha do que ainda e sempre é desejo.
Em Vazante, aquilo que do feminino faz furo no espaço, um cabide e tanta coisa pendurada, o amor torto, tonto, travestido, ladrão, mas com anseios ternos e eláns afetivos. A mulher que mora na saída e assim é reconhecida, alguma coisa que escorre e não é vista- pontes, fios, um delírio de um crepúsculo num olhar para o absurdo.
Em Passos, um homem que cuida dos pés e o outro que é tentação, causação, mas de quem não se sabe nem o nome, aquilo que diz onde quer calar.
Em Pai Pedro, o homem mais velho é manezim- menino.
Em Abre Campo, no silêncio das pedras e da noite, tudo dorme, só a natureza e os cachorros é que vivem e olham.
Em Fervedouro, o calor do corpo pesado da rotina se joga nas águas e o caminhoneiro vira bailarino, em dança lânguida e voluptuosa junto das profundezas.
Em Descoberto, a madrugada, o canto do galo, alguém sem medo suspira suavemente trago por trago do existir que é demoramento, mas é urgência. Uma névoa branca que de vez em quando condensa, uma vassoura de folha que varre folha, aquilo que faz metáfora no instante em que se olha.
Em Tiros, a subversão do tempo na figura do peão, com sua luzes e sua morte que se cumpre todos os dias, Eros e Tânatos, morte e vida no lombo do indomável e inefável.
Em Tombos, me lembrei de Dante Milano, só que o desejo tinha a cor azul, era azul de infinito, de imensidão, aquele inacessível que voava como um pássaro fazendo festa para o olhar.
Em Planura, me lembrei de tudo que é e faz figura.
Em águas vermelhas, o presente se desfaz olhando para um passado ainda fresco e vigoroso.
Em Dores de Campos, chuva fina, trigo, brisa, vento num baile sinuoso que nos convoca, nos interroga lá onde não enxergamos.
O encontro com o acaso é da ordem de uma radicalidade mais das impressões que das descrições.Tomados pelo acontecimento da fatalidade somos levados em movimentos que se enlaçam e sensações que se colidem.
As cenas possuem a centelha do mistério reportando- se ao não ver, o fugaz das situações nunca se consolida, assemelhando- se a nebulosidade da senhora, com seus esquecimentos do agora.
Em cada uma das vinte cidades poderíamos ver sapatos sendo engraxados, folhas voando ou água correndo. São só pedaços do belo e do sublime, do insidioso, do silencioso, daquilo que está sempre á espreita, mas que é incansável.
Acidentar- se é se deparar com esse impossível, com a construção e desconstrução de uma realidade, apontando mais para a busca que para a descoberta, mais para o trajeto que para o destino, valorizando a causação e aquilo que dela pode criar e interrogar.
O filme me tocou fundo em sua sutileza metafórica, me ensinando que a elaboração estética do defeito pode transformá-lo em virtude e em efeito.
Drummond, meu poeta maior e muito mineiro dizia que para a poesia é preciso coragem, porque ao retirar algo do mundo, também temos que dar algo de nós , que nem sabemos se possuímos. A poesia já está no mundo e, de forma acidental, podemos nos apropriar dela, quem sabe?!
Vinícius de Moraes parecia saber daquilo que Cao Guimarães e Pablo Lobato queriam transmitir:
“ Poesia não é uma coisa que se invente. Ela está aí, imanente, no céu, no ar, no fogo, no mar, nas montanhas, nos homens, nas mulheres, nas crianças, nos animais, nas feras, nas frutas, nas pedras, nas chuvas, na luta pela liberdade, na vida e na morte, em tudo o que existe e pode existir. Os poetas é que não tem peito para assumi- la em suas terríveis exigências.
Não é poesia que falta, mas poetas “

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Os Sonhadores (Direção: Bernardo Bertolucci/2003)

Exibição marcada para 05/08/08. Comentários: Alexandre Mantovani (psicólogo clínico e doutorando da FFCLRP-USP) e Mauro Luciano de Souza (mestrando em cinema brasileiro na UFSCAR- São Carlos)
Sinopse
Não há nada tão tentador entre o céu e a terra quanto o fruto proibido.Do diretor Bernardo Bertolucci uma obra "magnetizante e sensualmente provocativa" (Ebert & Roeper).Em meio a tumultos políticos, três estudantes se vêem atraídos por sua paixão pelo cinema e uns pelos outros!Enquanto seus pais estão de férias, os gêmeos Isabelle e Theo (Eva Green, Louis Garrel) convidam o aluno de intercâmbio Matthew (Michael Pitt) para ficar com eles.Assim começa uma intensa e erótica história de descoberta sexual e desejo.
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Projeto Curta Antes: Exibição do Curta Metragem Morango de Priscila Lima. Disponível em: http://www.portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=3639
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Os Sonhadores – Bernardo Bertolucci, 2004. (Por: Alexandre Mantovani-Psicologo Clínico e Doutorando em Etnopsicologia)

Contexto:
França, 1968, em meio ao movimento político e cultural que tomou conta das ruas de Paris.
O filme de Bertolucci nos leva a refletir sobre sonhos. Tanto os sonhos individuais, íntimos, que existem no universo particular de cada um, como também os sonhos coletivos, de um casal ou aqueles que mobilizam massas e geram insurreições, greves, revoluções e mudanças culturais.
Tomar um triângulo amoroso como núcleo narrativo de todo um contexto cultural, possibilita pensar sobre as noções de público e particular, os limites entre indivíduo e sociedade e entre sonho e realidade.

Personagens:
Mathew (narrador), Isabelle e Theo. O primeiro, americano, estudante e cinéfilo. Os outros dois são irmãos gêmeos, siameses e franceses que vivem uma relação amorosa erótica. O filme se passa na França, mas é falado quase que inteiramente em inglês, língua do personagem Mathew, a quem cabe a posição de narrar tudo o que estava acontecendo no contexto de Maio de 68. A língua inglesa serve como um elemento de distanciamento do olhar, o que permite fazer surgir uma reflexão crítica sobre o movimento. Assim é Mathew: ora está totalmente dentro do triângulo amoroso, e também do contexto estudantil francês, ora está fora dele, testemunha-participante de tudo.

Apontamentos:
Em termos psicológicos e psicanalíticos, o enredo nos permite adentrar por uma via reflexiva que tem a questão do Complexo de Édipo como tema de fundo. Isso é o que se passa de modo escancarado com o casal de gêmeos, que insere no seu seio um estrangeiro, cuja função é a de um “intermediário” entre os dois.
As referências ao Complexo de Édipo se fazem presentes nas falas dos próprios personagens, que em seus diálogos dizem frases como: “Meus pais sempre deixaram a porta aberta”, de Theo e, “A esfinge deu uma dica para Édipo?”, de Isabelle. Mas, longe de nos atermos à representação de um aspecto psicológico supostamente universal, a questão edípica tratada no filme faz referência tanto ao universo íntimo que existe na vida particular dos indivíduos, como às questões sociais nas quais os indivíduos se inserem, tendo como eixo os limites entre sonho e realidade.
O Complexo de Édipo impõe uma questão de limites. Limites entre o proibido e o desejado, entre o sujeito e o outro.
O que é o sonho? O lugar, a cena em que a realidade dá espaço para a fantasia e aquilo que era proibido pode ser (em fantasia) satisfeito e vivido; o sonho afrouxa as marcas das proibições e dá espaço à experiência mais íntima do sujeito.
O enredo do filme joga com esse movimento entre o proibido e o desejado, a realidade e a ficção.
Este jogo, entre realidade e fantasia, ganha forma, por exemplo, nos recortes em preto e branco de filmes que surgem no meio do filme. Theo, Isabelle e Mathew brincam em encenar cenas clássicas do cinema. Dentro do filme, o cinema se torna o conteúdo emergente, o objeto de desejo, como a corrida no pavilhão do Louvre, como o retrato da atriz a quem Theo dedica sua masturbação.
Assim, os personagens convidam os espectadores a compartilhar de seus sonhos e fantasias. Não são somente Mathew, Isabelle e Theo que projetam seus sonhos no cinema. Enquanto espectadores, temos na tela e na sala escura um palco para a experiência de vivermos sonhos e fantasias. O cinema nos mobiliza; o cinema, para nós, é um sonho. Assim como a arte em geral.
Vale lembrar sobre isso a frase de Mathew, que ao citar um diretor diz: “O cinema é o buraco da fechadura do quarto dos pais”. Quem olha por esse buraco? Todos nós, que vivemos em nosso cotidiano a duplicidade entre realidade e fantasia, entre a proibição e os desejos.
Sonhadores também foram os agentes de Maio de 68. Pelo que lutavam? Pelo que protestavam?
Por não serem escravos? Por não haver proibições? Por viverem livres para o amor?
O fato é que também eram sonhadores. O tempo e espaço do sonho são diferentes. Na cena do sonho, tudo pode acontecer.
O movimento da massa também permite que se afrouxem as correntes da moral e da lei e libera o indivíduo para viver seus impulsos, sendo que naquele momento ele não é mais um indivíduo e sim uma peça da revolução.
Uma cena interessante a esse respeito. Mathew olha a tela de uma TV e comenta o que está acontecendo. Isabelle diz: “somos puristas. Não vemos TV”. Isabelle e Theo, os “puros” vivem um paraíso, um estado idílico em que não existe discriminação, tempo, espaço, diferenças entre irmãos, pais, sexo e etc...
Theo é um fervoroso defensor da revolução maoísta, mas vive em um mundo de sonhos, lendo o livro vermelho em seu quarto. Nas últimas cenas, na seqüência que vai do testemunho dos pais, da tentativa de suicídio e da vidraça quebrada que culmina com a frase “A revolução entrou em nossa casa”, vemos o casal sendo lançado ao sonho coletivo. Ali não eram mais indivíduos, mas o que lhes restou?
O diretor não mostra a seqüência, mas podemos imaginar que ali foram consumidos.
Pelo sonho...
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Os sonhadores de hoje... (Por Mauro Luciano de Araujo- Mestrando em Cinema Brasileiro na UFSCAR)

Dreamers, de Bernardo Bertolucci é mais uma paródia política do movimento de 68.
Nessa brincadeira, a juventude continua hoje, assiduamente, tanto em mobilizações estudantis, em grêmios, ou filiando-se em entidades profundamente ligadas a partidos políticos que buscam nelas suas bases, “lutando pelo socialismo”.
No filme, vemos jovens atuais vestindo a camisa do maoísmo operário de 60 da França. O anacronismo é visível, no gesto dos atores – e na comparação com os filmes da própria época.
Bertolucci ainda prefere a estilística clássica, a narrativa mais pop, para conseguir difundir às massas (espectadores de todo o mundo) a crise entre o momento politizado das rebeliões estudantis e a atual conjuntura de individualização atual.
Gordard não gostou tanto da brincadeira. Nem Phillipe Garrel, que manda um recado em seu filme, também sobre o tema de 68, Les Amants Réguliers – Amantes Constantes (2005).
Em certo momento Théo, personagem de Louis Garrel, diz que todos os pais deveriam ser mandados para os campos, para trabalhar junto ao campesinato. Era essa a mentalidade da época, na qual o cinema ainda servia para esse tipo de discussão política, perto do materalismo científico marxista, de autores próximos à psicanálise como Althusser, Marcuse e Derrida.
Na França, por exemplo, não houve o festival de Cannes em 68 – os diretores pararam o festival em solidariedade aos estudantes e às greves gerais. O clima de manifestações não passou, pelo que vemos hoje. Mas a intensidade sim. A juventude cada vez mais, como público alvo, como audiência, como massa de manobra ou como multidão direcionada muda completamente os rumos da vida na contemporaneidade. Seja através da força, ou através da sedução erótica.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Cheiro do Ralo (Direção: Heitor Dhalia/2006)


Exibição: 11 /06/08. Comentários: Cid Machado Jr. (cineasta e prof. de áudio visual da Barão de Maúa) e Fernando Prota (psicanalista Clin-a)
Sinopse:
Ambientado em São Paulo, "O Cheiro do Ralo", filme do diretor Heitor Dhalia, narra a história de Lourenço (Selton Mello), dono de uma loja que compra objetos usados de pessoas que passam por dificuldades financeiras. Dada a natureza de seu negócio - a aquisição sempre pelo menor preço possível -, Lourenço acaba por desenvolver um jogo perverso com seus clientes . Aos poucos, esse personagem substitui, em seu relacionamento com os clientes, a frieza pelo prazer que sente ao explorá-los em um momento de aflição financeira. Perturbado pelo simbólico e fedorento cheiro do ralo que existe na loja, Lourenço é colocado em confronto com o universo e os personagens que julgava controlar. Isso o obriga a uma reavaliação de sua visão de mundo e o conduz, de forma inexorável, para um trágico desfecho.
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Projeto Curta Antes: Exibição do Curta metragem Suite Noir, do diretor Cid Machado Jr.


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Suite Noir por Cid Machado Jr*.
(Adaptação cinematográfica de crônica de Carlos Heitor Cony)

Sinopse
Sara e Gustavo comemoram seu primeiro ano juntos quando Henrique, melhor amigo de Gustavo, interrompe o momento romântico do casal. Henrique pede para Gustavo encontrá-lo num quarto de motel. Gustavo fica apreensivo quando entra no quarto revirado e se pergunta se Henrique é culpado ou inocente do que parece ser a cena de um crime passional.

Apresentação
Suíte Noir é uma iniciativa no sentido de amalgamar duas manifestações culturais caracterizadas pela síntese: a crônica e o curta-metragem. A crônica que me escolheu foi “A vida sexual de homens e cavalos” de Carlos Heitor Cony. Eu já era fã de Cony e estava revirando alguns jornais velhos quando me deparei com este título curioso. Comecei a ler e o clima e a situação dramática que Cony concebeu me envolveram de um modo como nunca havia experimentado! Vivi as cenas como se fosse o próprio protagonista da história. E a resolução da trama é ao mesmo tempo surpreendente e tragicômica. Foi aí que me veio a idéia de compartilhar essa mesma sensação com as pessoas através da linguagem audiovisual.
A adaptação – inédita e autorizada pelo autor – se apropria e homenageia o gênero do filme policial (conhecido pela crítica social e a proximidade com os acontecimentos cotidianos) para expor conflitos da sociedade brasileira contemporânea que vem absorvendo conceitos e comportamentos capitalistas de consumo, sofrendo seus efeitos colaterais como o individualismo excessivo, a banalização do sexo e a superficialidade dos relacionamentos. Tudo isso, sem perder o humor.
Uma das questões centrais da obra é a amizade, neste caso em uma situação limite, levantando uma questão chave: até onde você iria pelo seu melhor amigo?

A Crônica
Sempre houve um lugar especial para a crônica no dia-a-dia do cidadão brasileiro. Sua linguagem espontânea cativa os leitores destacando um acontecimento aparentemente banal, mas que através de mãos e mentes hábeis sintetizam e retratam o seu momento histórico com a simplicidade dos contadores de estórias e a eloqüência épica dos relatos históricos.
Carlos Heitor Cony é um exemplo desta rara capacidade de expressar os fatos que figuram nas páginas jornalísticas nas contracapas destinadas às pequenas ficções do cotidiano. Experiente e premiado (duas vezes Jabuti), Cony concilia a profundidade do romancista à urgência do jornalista.

*CID MACHADO JR. é bacharel em Imagem e Som pela UFSCar e ensina cinema e vídeo desde 2000 em instituições como as Oficinas Culturais da Secretaria de Estado da Cultura (SP), o Centro Universitário Barão de Mauá, o Colégio Einstein, a ONG São Paulo Film Commission, dentre outros.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Laranja Mecânica (Direção: Stanley Kubrick/1971)

Exibição: 19/05/08. Comentários: Eduardo César Benedicto (psicanalista Clin-a) e Sergio Alberto de Oliveira (maestro do coral- USP)

Sinopse

Em uma desolada Inglaterra do futuro, a violência das gangues juvenis impera, provocando um clima de terror. Alex (Malcolm McDowell) lidera uma das gangues e, após praticar vários crimes, é preso e submetido à reeducação pelo Estado, com base em uma técnica de reflexos condicionados. Quando ele volta à sua vida em liberdade, é perseguido por aqueles que foram suas vítimas, Mr. Alexander (Patrick Magee) e sua esposa. Filme clássico do diretor Stanley Kubrick, que mostra situações de ambigüidade moral e terrível violência. Adaptação do livro de Anthony Burgess, Laranja Mecânica teve quatro indicações ao Oscar em 1971 e entrou para a lista dos 100 melhores filmes do American Film Institute.

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LARANJA MECÂNICA
De Stanley KUBRICK e Anthony BURGESS (Por Sergio Alberto de Oliveira*)

Para uma melhor análise do filme Laranja Mecânica, é importante contextualizá-lo na época de sua produção. .Burgess escreveu o livro em 1962 e o filme foi lançado em 1971, no auge da chamada contracultura. As décadas de 1960 e 70 produziram um conceito artístico de grande apelo visual, o Psicodelismo, advindo do uso de drogas psicotrópicas como o LSD. Cores fortes, vibrantes e muitos arabescos eram a marca deste movimento, que produziu inúmeras capas de discos tais como o famoso Sargent Pepper’s dos Beatles e no Brasil os da tropicália.

Nesse sentido, Kubrick e os responsáveis pela fotografia do filme “enxugaram” o conceito do psicodelismo expondo-o através do uso das cores fortes e contrastantes, mas limpando seus arabescos, cuja lembrança ocorre, por exemplo, na cena inicial, no cardápio exposto nas paredes da Leiteria Korova. Kubrick manteve, portanto, a marca de sua época, tentando imaginar um cenário de futuro, de final de século vinte, onde as formas seriam mais limpas, os espaços mais amplos. “Releu”, enfim, o ambiente daquela época, antecipando-se à consagração do movimento pós-modernista, que viria a acontecer a partir da década de 80.

No filme, o pensamento de uma nova leitura aparece mais fortemente, sem dúvida, na questão musical. Kubrick nos traz, através da trilha sonora do filme, uma amostra fantástica do que é uma releitura e quais as suas intenções. Partindo da idéia contrária do modernismo, que se associa à criação do “novo”, o pensamento pós-moderno não mais acredita neste conceito, mas no de que tudo já foi criado e a partir de então tudo será re-criado, re-visto, re-lido.

Afora a crítica social e os aspectos psicológicos expostos no filme, a quebra das significações mais fortes acontece na música e através da música, haja vista o nome da técnica testada pelos cientistas, denominada Ludovico, uma clara “lembrança” do compositor Ludwig Van Beethoven.

A trilha sonora, quase toda baseada na música erudita, com músicas deste autor, de Rossini, Rimsky-Korsakow e Purcell, entre outros, utiliza versões arranjadas para sintetizadores, além das versões originais. A música erudita, simbolicamente ligada ao espírito da perfeição, do clássico, da virtude, é usada no seu sentido contrário, fazendo uma “cama” sonora para a violência e degradação ética e moral. Na época em que foram lançadas nas suas versões sintetizadas por Walter Carlos (hoje Wendy Carlos), houve críticas ferozes contra tal “heresia”. Na verdade, no filme existem duas etapas de releitura musical: primeiramente a tecnológica, propiciando a possibilidade de se “reler” as obras clássicas dando-lhes nova roupagem; e posteriormente, tal “releitura” alcançando níveis verdadeiramente conceituais, dando um novo sentido a ela, re-significando, enfim, sua própria mensagem. Desta forma, a Ode à Alegria de Beethoven, um hino à irmandade, à humanidade, transformou-se na sensação pura do ódio, da raiva, da “lembrança” da agressividade humana, expostas no momento da tortura auditiva de Alex pelo escritor.

Tecnicamente, os realizadores da trilha sonora não se utilizaram de grandes inovações. Na verdade, usaram recursos existentes desde o início do cinema, tais como a utilização de músicas sinfônicas originais. Executaram-na, porém, com grande maestria, uma vez que longos trechos das peças foram associados às imagens muitas vezes através da técnica chamada mickeymousing, onde a música pontua os movimentos dos atores, tal como nos desenhos de famoso ratinho americano. Exemplos: as gangues brigando ao som de Guilherme Tell e o ritmo acelerado na cena de Alex e as duas garotas no quarto.

Enfim, nesta breve análise, verificamos o êxtase de Alex ao final do filme acompanhado pela 9ª Sinfonia de Beethoven, cuja Ode à Alegria, agora novamente re-significada com um giro de 180°, sugere uma “leve” distorção da alegria da humanidade sonhada pelo grande compositor.

* Sergio Alberto de Oliveira
Regente, Mestre em Artes e Doutor em Música

domingo, 23 de março de 2008

Lavoura Arcaica (Direção: Luiz Fernando Carvalho/2001)

Exibição: 16/04/08. Comentários: Sabrina R. S. Thompson Benedicto (Psicanalista Clin-a) e Roberta Assef (Profa. de Roteiro do Curso de Audio Visual da Barão de Mauá)

Sinopse
A história começa com dois irmãos que se encontram num quarto de pensão. O mais velho, Pedro, está ali para buscar André, o mais moço- o filho arredio, para que retorne ao lar.
Através das lembranças de André ficam claras as razões de sua partida: entre o jugo da lei paterna e o sufocamento da ternura materna, a impaciência atinge seu grau insuportável. Memórias da infância se confundem com o passado recente, justificando sua fuga.
O corpo e a alma de André reclamam por seus direitos, e ele os exerce contra todas as leis, apaixonando-se pela própria irmã, a belíssima Ana.
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Sempre gostei de Raduan Nassar, embora tenha por suas obras um misto de angústia e vontade de escavar, atração e repulsa, amor e ódio. Gostei especialmente do livro Lavoura Arcaica e do filme homônimo, que é uma obra genial e intrigante. Mas, depois do livro e do filme ,"Lavoura Arcaica" ainda tinha mais a me causar. Conheci" Lavourada", livro de fotografias do filme de Walter Carvalho. A Cosac Naify sempre com os melhores livros de arte. Pois bem," Fotografias de um filme de Walter Carvalho veio revirar mais ainda, o caos que o filme veio me trazer. O relato de Walter é emocionado e incide sobre mim como navalha cortante." Só realizamos um filme quando o vivemos plenamente. Fazer e viver são a mesma coisa. Lavoura Arcaica, no entanto, foi mais do que fazer um filme, quase uma purificação. Por muitas vezes no curso desse trabalho me senti assim. Estas fotos derivam desse estado de espírito e nasceram de um impulso. Tenho por hábito fotografar quase tudo que vejo. Este livro de fotos é também para guardar a luz feita de sol fibroso e alaranjado dos finais de tarde. A luz vinda da natureza que se derrama sobre as coisas coando sua anatomia. O sol que declina entre as toalhas, ainda que nas páginas brancas tingidas de tons pretos. Guardar os vestígios do tempo, no rosto da mãe enfraquecido pela dor e pela ausência do seu filho. Guardar enfim os momentos intermináveis de procura. A procura da emoção pelo silêncio da luz. A mistura de tintas que tive a sensação de moer entre os vidros como os pintores renascentistas. Tantas vezes ao fim da tarde, quando regressávamos a fazenda em busca de repouso , assaltava-me a angústia sobre o resultado" lavourado" daquele dia. Mais que o resultado técnico obtido e apreendido nas latas do filme, o que me tomava era a vontade imensa de encontrar o desconhecido: um fime em carne viva. À noite , depois de reler as sequências filmadas, padecia de um sono agoniado pela incerteza de ter ou não encontrado aquelas imagens."O livro é mesmo fruto de uma experiência emocionada, fecunda e inesquecível e que jamais poderá ser repetida de tão original e única que foi. As foto- grafias de Lavoura encantam, doem, enternecem, machucam, incomodam, embelezam. Walter disse que cada um ao fazer sua Lavoura Arcaica marca um ato e deixa um pouco de si. Pois para quem enxerga e retém esses momentos intermináveis de procura também. Algo da minha origem vem se colocar. Há uma aridez e uma saudade quase sertaneja que me invade ao folhear esse livro. Quem vê as imagens de Walter, vê algo mais e deixa um pouco de si para trás. Ao menos, comigo foi assim...fico agora com o silêncio da luz impresso em minha alma. Uma imagem de minha terra natal também me assalta. Ela é também em preto e branco e guarda os vestígios do tempo nessa luz que atravessa. Todo mundo sente em sépia a nostalgia. E o sertão é dentro da gente. Não sei se é saudades o quê sinto, mas algo me liga a esse espaço metafísico e emocional. Des-coberto está aí. E estou lá. Sempre haverá...


"Por mais que longe pareçaides
na minha lembrança ides
na minha cabeça
valeisa minha esperança."(Cecília Meirelles)

Contato: biancacoutinho@yahoo.com.br

sábado, 22 de março de 2008

Tropa de Elite (José Padilha/2007)


Exibição: 19/03/08. Comentários: Eduardo César Benedicto e Mauro Moura Mohan (Psicanalistas Associados Clin-a)
Sinopse
O filme retrata o dia-a-dia do grupo de policiais e do Capitão Nascimento (Wagner Moura), membros do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais). Em 1997, Nascimento quer sair da corporação e tenta encontrar um substituto para seu posto. Paralelamente, dois amigos de infância, que se tornaram policiais, se destacam em seus postos; para acabar com a corrupção na polícia, eles têm o objetivo de entrar para o Bope.
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Pontuações feitas por Eduardo Benedicto (Psicanalista Clin-a)

O filme me pareceu um tanto quanto explícito, pouco subentendido. Já no início conhecemos o capitão Nascimento que narra todo o filme. Nesse caso, fica claro que o ponto de vista apresentado é a partir da instituição "BOPE".
O diretor do filme, José Padilha, foi duramente criticado por ter sido fascista, por fazer apologia da tortura. Considero, no entanto, que o ponto de vista da obra não necessariamente coincide com a opinião do diretor.

"BOPE" e a Identificação do Público:

A falta de idealização da classe média acaba por colocar em primeiro plano o consumo capitalista. O ato a que se destina a pulsão é o ato do consumo, que coloca o sujeito como o próprio objeto consumido, capturado pelo discurso capitalista e que oferece um objeto-droga para o vazio de sentido. Não há relação entre sujeitos, trata-se de uma relação com o objeto-coisa que se encerra na própria coisa. Falta a Lei/lei que venha dar para o sujeito a medida do que é possível e acessível. Tudo é permitido no morro e na corporação: corrupção, drogadição, suborno, prostituição, destruição, morte! À falta de sentido de existência para o sujeito, apela-se à algo como um gozo no uso e abuso da substância-droga, que acaba por curto-circuitar qualquer perspectiva de significação e sentido para o sujeito.
Podemos considerar que é na medida em que o Capitão Nascimento incorpora o herói e o Ideal ausente na modernidade e no discurso contemporâneo, que o público identifica-se com ele, vibrando e gozando com seus atos violentos e "necessários" à uma vingança coletiva. Penso ser esta uma das formas de identificação que o filme traz, o que o torna sucesso de público e de grande repercussão. Para o desbordeamento eminente do sujeito– Ausência de lei, caos pulsional, contamos com a intervenção do BOPE. No morro tem lei, no BOPE tem lei, e esta Lei que o sujeito e o público demandam.

Personagens

Classe Média
Alienação à um saber oco, sem aplicabilidade, que só circula na academia. Baseados na ingenuidade, na pena do outro, sem um saber mínimo da lógica de funcionamento e das regras do morro. Paga-se com a vida essa sua posição ingênua: “Estudantes são legais e tem um monte de menina bonita, bem intencionada...” (fala do personagem do Capitão Nascimento)


O Capitão Nascimento ao se colar na idealização de fazer 1 com a corporação, apaga-se enquanto sujeito. "Seita do BOPE": culto do embrutecimento para tudo suportar! Apagar-se para ser BOPE, enBOPEser. Não pode haver emoção, "Não se pensa com o coração”, só se pensa com a lei do outro. Sintomas de stress e de apagamento do personagem capitão Nascimento mostram que algo do sujeito está prestes a explodir e/ou sucumbir. Capitão Nascimento aponta para uma saída subjetiva, para um novo lugar com o nascimento do filho. Algo que toca no humano, no acontecimento íntimo e doméstico, que o faz desalienar do desejo institucional e reportar-se à sua singularidade. Para sair da posição alienada ao outro BOPE, há que se deixar um outro apto para ocupar esse lugar: Matias, a quem se embrutece para ser o novo comandante, o Capitão do BOPE. Matias se objetifica enquanto Nascimento torna-se sujeito.

contato: dubenedicto@usp.br