sexta-feira, 30 de maio de 2008

Cheiro do Ralo (Direção: Heitor Dhalia/2006)


Exibição: 11 /06/08. Comentários: Cid Machado Jr. (cineasta e prof. de áudio visual da Barão de Maúa) e Fernando Prota (psicanalista Clin-a)
Sinopse:
Ambientado em São Paulo, "O Cheiro do Ralo", filme do diretor Heitor Dhalia, narra a história de Lourenço (Selton Mello), dono de uma loja que compra objetos usados de pessoas que passam por dificuldades financeiras. Dada a natureza de seu negócio - a aquisição sempre pelo menor preço possível -, Lourenço acaba por desenvolver um jogo perverso com seus clientes . Aos poucos, esse personagem substitui, em seu relacionamento com os clientes, a frieza pelo prazer que sente ao explorá-los em um momento de aflição financeira. Perturbado pelo simbólico e fedorento cheiro do ralo que existe na loja, Lourenço é colocado em confronto com o universo e os personagens que julgava controlar. Isso o obriga a uma reavaliação de sua visão de mundo e o conduz, de forma inexorável, para um trágico desfecho.
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Projeto Curta Antes: Exibição do Curta metragem Suite Noir, do diretor Cid Machado Jr.


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Suite Noir por Cid Machado Jr*.
(Adaptação cinematográfica de crônica de Carlos Heitor Cony)

Sinopse
Sara e Gustavo comemoram seu primeiro ano juntos quando Henrique, melhor amigo de Gustavo, interrompe o momento romântico do casal. Henrique pede para Gustavo encontrá-lo num quarto de motel. Gustavo fica apreensivo quando entra no quarto revirado e se pergunta se Henrique é culpado ou inocente do que parece ser a cena de um crime passional.

Apresentação
Suíte Noir é uma iniciativa no sentido de amalgamar duas manifestações culturais caracterizadas pela síntese: a crônica e o curta-metragem. A crônica que me escolheu foi “A vida sexual de homens e cavalos” de Carlos Heitor Cony. Eu já era fã de Cony e estava revirando alguns jornais velhos quando me deparei com este título curioso. Comecei a ler e o clima e a situação dramática que Cony concebeu me envolveram de um modo como nunca havia experimentado! Vivi as cenas como se fosse o próprio protagonista da história. E a resolução da trama é ao mesmo tempo surpreendente e tragicômica. Foi aí que me veio a idéia de compartilhar essa mesma sensação com as pessoas através da linguagem audiovisual.
A adaptação – inédita e autorizada pelo autor – se apropria e homenageia o gênero do filme policial (conhecido pela crítica social e a proximidade com os acontecimentos cotidianos) para expor conflitos da sociedade brasileira contemporânea que vem absorvendo conceitos e comportamentos capitalistas de consumo, sofrendo seus efeitos colaterais como o individualismo excessivo, a banalização do sexo e a superficialidade dos relacionamentos. Tudo isso, sem perder o humor.
Uma das questões centrais da obra é a amizade, neste caso em uma situação limite, levantando uma questão chave: até onde você iria pelo seu melhor amigo?

A Crônica
Sempre houve um lugar especial para a crônica no dia-a-dia do cidadão brasileiro. Sua linguagem espontânea cativa os leitores destacando um acontecimento aparentemente banal, mas que através de mãos e mentes hábeis sintetizam e retratam o seu momento histórico com a simplicidade dos contadores de estórias e a eloqüência épica dos relatos históricos.
Carlos Heitor Cony é um exemplo desta rara capacidade de expressar os fatos que figuram nas páginas jornalísticas nas contracapas destinadas às pequenas ficções do cotidiano. Experiente e premiado (duas vezes Jabuti), Cony concilia a profundidade do romancista à urgência do jornalista.

*CID MACHADO JR. é bacharel em Imagem e Som pela UFSCar e ensina cinema e vídeo desde 2000 em instituições como as Oficinas Culturais da Secretaria de Estado da Cultura (SP), o Centro Universitário Barão de Mauá, o Colégio Einstein, a ONG São Paulo Film Commission, dentre outros.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Laranja Mecânica (Direção: Stanley Kubrick/1971)

Exibição: 19/05/08. Comentários: Eduardo César Benedicto (psicanalista Clin-a) e Sergio Alberto de Oliveira (maestro do coral- USP)

Sinopse

Em uma desolada Inglaterra do futuro, a violência das gangues juvenis impera, provocando um clima de terror. Alex (Malcolm McDowell) lidera uma das gangues e, após praticar vários crimes, é preso e submetido à reeducação pelo Estado, com base em uma técnica de reflexos condicionados. Quando ele volta à sua vida em liberdade, é perseguido por aqueles que foram suas vítimas, Mr. Alexander (Patrick Magee) e sua esposa. Filme clássico do diretor Stanley Kubrick, que mostra situações de ambigüidade moral e terrível violência. Adaptação do livro de Anthony Burgess, Laranja Mecânica teve quatro indicações ao Oscar em 1971 e entrou para a lista dos 100 melhores filmes do American Film Institute.

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LARANJA MECÂNICA
De Stanley KUBRICK e Anthony BURGESS (Por Sergio Alberto de Oliveira*)

Para uma melhor análise do filme Laranja Mecânica, é importante contextualizá-lo na época de sua produção. .Burgess escreveu o livro em 1962 e o filme foi lançado em 1971, no auge da chamada contracultura. As décadas de 1960 e 70 produziram um conceito artístico de grande apelo visual, o Psicodelismo, advindo do uso de drogas psicotrópicas como o LSD. Cores fortes, vibrantes e muitos arabescos eram a marca deste movimento, que produziu inúmeras capas de discos tais como o famoso Sargent Pepper’s dos Beatles e no Brasil os da tropicália.

Nesse sentido, Kubrick e os responsáveis pela fotografia do filme “enxugaram” o conceito do psicodelismo expondo-o através do uso das cores fortes e contrastantes, mas limpando seus arabescos, cuja lembrança ocorre, por exemplo, na cena inicial, no cardápio exposto nas paredes da Leiteria Korova. Kubrick manteve, portanto, a marca de sua época, tentando imaginar um cenário de futuro, de final de século vinte, onde as formas seriam mais limpas, os espaços mais amplos. “Releu”, enfim, o ambiente daquela época, antecipando-se à consagração do movimento pós-modernista, que viria a acontecer a partir da década de 80.

No filme, o pensamento de uma nova leitura aparece mais fortemente, sem dúvida, na questão musical. Kubrick nos traz, através da trilha sonora do filme, uma amostra fantástica do que é uma releitura e quais as suas intenções. Partindo da idéia contrária do modernismo, que se associa à criação do “novo”, o pensamento pós-moderno não mais acredita neste conceito, mas no de que tudo já foi criado e a partir de então tudo será re-criado, re-visto, re-lido.

Afora a crítica social e os aspectos psicológicos expostos no filme, a quebra das significações mais fortes acontece na música e através da música, haja vista o nome da técnica testada pelos cientistas, denominada Ludovico, uma clara “lembrança” do compositor Ludwig Van Beethoven.

A trilha sonora, quase toda baseada na música erudita, com músicas deste autor, de Rossini, Rimsky-Korsakow e Purcell, entre outros, utiliza versões arranjadas para sintetizadores, além das versões originais. A música erudita, simbolicamente ligada ao espírito da perfeição, do clássico, da virtude, é usada no seu sentido contrário, fazendo uma “cama” sonora para a violência e degradação ética e moral. Na época em que foram lançadas nas suas versões sintetizadas por Walter Carlos (hoje Wendy Carlos), houve críticas ferozes contra tal “heresia”. Na verdade, no filme existem duas etapas de releitura musical: primeiramente a tecnológica, propiciando a possibilidade de se “reler” as obras clássicas dando-lhes nova roupagem; e posteriormente, tal “releitura” alcançando níveis verdadeiramente conceituais, dando um novo sentido a ela, re-significando, enfim, sua própria mensagem. Desta forma, a Ode à Alegria de Beethoven, um hino à irmandade, à humanidade, transformou-se na sensação pura do ódio, da raiva, da “lembrança” da agressividade humana, expostas no momento da tortura auditiva de Alex pelo escritor.

Tecnicamente, os realizadores da trilha sonora não se utilizaram de grandes inovações. Na verdade, usaram recursos existentes desde o início do cinema, tais como a utilização de músicas sinfônicas originais. Executaram-na, porém, com grande maestria, uma vez que longos trechos das peças foram associados às imagens muitas vezes através da técnica chamada mickeymousing, onde a música pontua os movimentos dos atores, tal como nos desenhos de famoso ratinho americano. Exemplos: as gangues brigando ao som de Guilherme Tell e o ritmo acelerado na cena de Alex e as duas garotas no quarto.

Enfim, nesta breve análise, verificamos o êxtase de Alex ao final do filme acompanhado pela 9ª Sinfonia de Beethoven, cuja Ode à Alegria, agora novamente re-significada com um giro de 180°, sugere uma “leve” distorção da alegria da humanidade sonhada pelo grande compositor.

* Sergio Alberto de Oliveira
Regente, Mestre em Artes e Doutor em Música