domingo, 23 de março de 2008

Lavoura Arcaica (Direção: Luiz Fernando Carvalho/2001)

Exibição: 16/04/08. Comentários: Sabrina R. S. Thompson Benedicto (Psicanalista Clin-a) e Roberta Assef (Profa. de Roteiro do Curso de Audio Visual da Barão de Mauá)

Sinopse
A história começa com dois irmãos que se encontram num quarto de pensão. O mais velho, Pedro, está ali para buscar André, o mais moço- o filho arredio, para que retorne ao lar.
Através das lembranças de André ficam claras as razões de sua partida: entre o jugo da lei paterna e o sufocamento da ternura materna, a impaciência atinge seu grau insuportável. Memórias da infância se confundem com o passado recente, justificando sua fuga.
O corpo e a alma de André reclamam por seus direitos, e ele os exerce contra todas as leis, apaixonando-se pela própria irmã, a belíssima Ana.
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Sempre gostei de Raduan Nassar, embora tenha por suas obras um misto de angústia e vontade de escavar, atração e repulsa, amor e ódio. Gostei especialmente do livro Lavoura Arcaica e do filme homônimo, que é uma obra genial e intrigante. Mas, depois do livro e do filme ,"Lavoura Arcaica" ainda tinha mais a me causar. Conheci" Lavourada", livro de fotografias do filme de Walter Carvalho. A Cosac Naify sempre com os melhores livros de arte. Pois bem," Fotografias de um filme de Walter Carvalho veio revirar mais ainda, o caos que o filme veio me trazer. O relato de Walter é emocionado e incide sobre mim como navalha cortante." Só realizamos um filme quando o vivemos plenamente. Fazer e viver são a mesma coisa. Lavoura Arcaica, no entanto, foi mais do que fazer um filme, quase uma purificação. Por muitas vezes no curso desse trabalho me senti assim. Estas fotos derivam desse estado de espírito e nasceram de um impulso. Tenho por hábito fotografar quase tudo que vejo. Este livro de fotos é também para guardar a luz feita de sol fibroso e alaranjado dos finais de tarde. A luz vinda da natureza que se derrama sobre as coisas coando sua anatomia. O sol que declina entre as toalhas, ainda que nas páginas brancas tingidas de tons pretos. Guardar os vestígios do tempo, no rosto da mãe enfraquecido pela dor e pela ausência do seu filho. Guardar enfim os momentos intermináveis de procura. A procura da emoção pelo silêncio da luz. A mistura de tintas que tive a sensação de moer entre os vidros como os pintores renascentistas. Tantas vezes ao fim da tarde, quando regressávamos a fazenda em busca de repouso , assaltava-me a angústia sobre o resultado" lavourado" daquele dia. Mais que o resultado técnico obtido e apreendido nas latas do filme, o que me tomava era a vontade imensa de encontrar o desconhecido: um fime em carne viva. À noite , depois de reler as sequências filmadas, padecia de um sono agoniado pela incerteza de ter ou não encontrado aquelas imagens."O livro é mesmo fruto de uma experiência emocionada, fecunda e inesquecível e que jamais poderá ser repetida de tão original e única que foi. As foto- grafias de Lavoura encantam, doem, enternecem, machucam, incomodam, embelezam. Walter disse que cada um ao fazer sua Lavoura Arcaica marca um ato e deixa um pouco de si. Pois para quem enxerga e retém esses momentos intermináveis de procura também. Algo da minha origem vem se colocar. Há uma aridez e uma saudade quase sertaneja que me invade ao folhear esse livro. Quem vê as imagens de Walter, vê algo mais e deixa um pouco de si para trás. Ao menos, comigo foi assim...fico agora com o silêncio da luz impresso em minha alma. Uma imagem de minha terra natal também me assalta. Ela é também em preto e branco e guarda os vestígios do tempo nessa luz que atravessa. Todo mundo sente em sépia a nostalgia. E o sertão é dentro da gente. Não sei se é saudades o quê sinto, mas algo me liga a esse espaço metafísico e emocional. Des-coberto está aí. E estou lá. Sempre haverá...


"Por mais que longe pareçaides
na minha lembrança ides
na minha cabeça
valeisa minha esperança."(Cecília Meirelles)

Contato: biancacoutinho@yahoo.com.br

sábado, 22 de março de 2008

Tropa de Elite (José Padilha/2007)


Exibição: 19/03/08. Comentários: Eduardo César Benedicto e Mauro Moura Mohan (Psicanalistas Associados Clin-a)
Sinopse
O filme retrata o dia-a-dia do grupo de policiais e do Capitão Nascimento (Wagner Moura), membros do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais). Em 1997, Nascimento quer sair da corporação e tenta encontrar um substituto para seu posto. Paralelamente, dois amigos de infância, que se tornaram policiais, se destacam em seus postos; para acabar com a corrupção na polícia, eles têm o objetivo de entrar para o Bope.
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Pontuações feitas por Eduardo Benedicto (Psicanalista Clin-a)

O filme me pareceu um tanto quanto explícito, pouco subentendido. Já no início conhecemos o capitão Nascimento que narra todo o filme. Nesse caso, fica claro que o ponto de vista apresentado é a partir da instituição "BOPE".
O diretor do filme, José Padilha, foi duramente criticado por ter sido fascista, por fazer apologia da tortura. Considero, no entanto, que o ponto de vista da obra não necessariamente coincide com a opinião do diretor.

"BOPE" e a Identificação do Público:

A falta de idealização da classe média acaba por colocar em primeiro plano o consumo capitalista. O ato a que se destina a pulsão é o ato do consumo, que coloca o sujeito como o próprio objeto consumido, capturado pelo discurso capitalista e que oferece um objeto-droga para o vazio de sentido. Não há relação entre sujeitos, trata-se de uma relação com o objeto-coisa que se encerra na própria coisa. Falta a Lei/lei que venha dar para o sujeito a medida do que é possível e acessível. Tudo é permitido no morro e na corporação: corrupção, drogadição, suborno, prostituição, destruição, morte! À falta de sentido de existência para o sujeito, apela-se à algo como um gozo no uso e abuso da substância-droga, que acaba por curto-circuitar qualquer perspectiva de significação e sentido para o sujeito.
Podemos considerar que é na medida em que o Capitão Nascimento incorpora o herói e o Ideal ausente na modernidade e no discurso contemporâneo, que o público identifica-se com ele, vibrando e gozando com seus atos violentos e "necessários" à uma vingança coletiva. Penso ser esta uma das formas de identificação que o filme traz, o que o torna sucesso de público e de grande repercussão. Para o desbordeamento eminente do sujeito– Ausência de lei, caos pulsional, contamos com a intervenção do BOPE. No morro tem lei, no BOPE tem lei, e esta Lei que o sujeito e o público demandam.

Personagens

Classe Média
Alienação à um saber oco, sem aplicabilidade, que só circula na academia. Baseados na ingenuidade, na pena do outro, sem um saber mínimo da lógica de funcionamento e das regras do morro. Paga-se com a vida essa sua posição ingênua: “Estudantes são legais e tem um monte de menina bonita, bem intencionada...” (fala do personagem do Capitão Nascimento)


O Capitão Nascimento ao se colar na idealização de fazer 1 com a corporação, apaga-se enquanto sujeito. "Seita do BOPE": culto do embrutecimento para tudo suportar! Apagar-se para ser BOPE, enBOPEser. Não pode haver emoção, "Não se pensa com o coração”, só se pensa com a lei do outro. Sintomas de stress e de apagamento do personagem capitão Nascimento mostram que algo do sujeito está prestes a explodir e/ou sucumbir. Capitão Nascimento aponta para uma saída subjetiva, para um novo lugar com o nascimento do filho. Algo que toca no humano, no acontecimento íntimo e doméstico, que o faz desalienar do desejo institucional e reportar-se à sua singularidade. Para sair da posição alienada ao outro BOPE, há que se deixar um outro apto para ocupar esse lugar: Matias, a quem se embrutece para ser o novo comandante, o Capitão do BOPE. Matias se objetifica enquanto Nascimento torna-se sujeito.

contato: dubenedicto@usp.br