quinta-feira, 12 de junho de 2008

Os Sonhadores (Direção: Bernardo Bertolucci/2003)

Exibição marcada para 05/08/08. Comentários: Alexandre Mantovani (psicólogo clínico e doutorando da FFCLRP-USP) e Mauro Luciano de Souza (mestrando em cinema brasileiro na UFSCAR- São Carlos)
Sinopse
Não há nada tão tentador entre o céu e a terra quanto o fruto proibido.Do diretor Bernardo Bertolucci uma obra "magnetizante e sensualmente provocativa" (Ebert & Roeper).Em meio a tumultos políticos, três estudantes se vêem atraídos por sua paixão pelo cinema e uns pelos outros!Enquanto seus pais estão de férias, os gêmeos Isabelle e Theo (Eva Green, Louis Garrel) convidam o aluno de intercâmbio Matthew (Michael Pitt) para ficar com eles.Assim começa uma intensa e erótica história de descoberta sexual e desejo.
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Projeto Curta Antes: Exibição do Curta Metragem Morango de Priscila Lima. Disponível em: http://www.portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=3639
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Os Sonhadores – Bernardo Bertolucci, 2004. (Por: Alexandre Mantovani-Psicologo Clínico e Doutorando em Etnopsicologia)

Contexto:
França, 1968, em meio ao movimento político e cultural que tomou conta das ruas de Paris.
O filme de Bertolucci nos leva a refletir sobre sonhos. Tanto os sonhos individuais, íntimos, que existem no universo particular de cada um, como também os sonhos coletivos, de um casal ou aqueles que mobilizam massas e geram insurreições, greves, revoluções e mudanças culturais.
Tomar um triângulo amoroso como núcleo narrativo de todo um contexto cultural, possibilita pensar sobre as noções de público e particular, os limites entre indivíduo e sociedade e entre sonho e realidade.

Personagens:
Mathew (narrador), Isabelle e Theo. O primeiro, americano, estudante e cinéfilo. Os outros dois são irmãos gêmeos, siameses e franceses que vivem uma relação amorosa erótica. O filme se passa na França, mas é falado quase que inteiramente em inglês, língua do personagem Mathew, a quem cabe a posição de narrar tudo o que estava acontecendo no contexto de Maio de 68. A língua inglesa serve como um elemento de distanciamento do olhar, o que permite fazer surgir uma reflexão crítica sobre o movimento. Assim é Mathew: ora está totalmente dentro do triângulo amoroso, e também do contexto estudantil francês, ora está fora dele, testemunha-participante de tudo.

Apontamentos:
Em termos psicológicos e psicanalíticos, o enredo nos permite adentrar por uma via reflexiva que tem a questão do Complexo de Édipo como tema de fundo. Isso é o que se passa de modo escancarado com o casal de gêmeos, que insere no seu seio um estrangeiro, cuja função é a de um “intermediário” entre os dois.
As referências ao Complexo de Édipo se fazem presentes nas falas dos próprios personagens, que em seus diálogos dizem frases como: “Meus pais sempre deixaram a porta aberta”, de Theo e, “A esfinge deu uma dica para Édipo?”, de Isabelle. Mas, longe de nos atermos à representação de um aspecto psicológico supostamente universal, a questão edípica tratada no filme faz referência tanto ao universo íntimo que existe na vida particular dos indivíduos, como às questões sociais nas quais os indivíduos se inserem, tendo como eixo os limites entre sonho e realidade.
O Complexo de Édipo impõe uma questão de limites. Limites entre o proibido e o desejado, entre o sujeito e o outro.
O que é o sonho? O lugar, a cena em que a realidade dá espaço para a fantasia e aquilo que era proibido pode ser (em fantasia) satisfeito e vivido; o sonho afrouxa as marcas das proibições e dá espaço à experiência mais íntima do sujeito.
O enredo do filme joga com esse movimento entre o proibido e o desejado, a realidade e a ficção.
Este jogo, entre realidade e fantasia, ganha forma, por exemplo, nos recortes em preto e branco de filmes que surgem no meio do filme. Theo, Isabelle e Mathew brincam em encenar cenas clássicas do cinema. Dentro do filme, o cinema se torna o conteúdo emergente, o objeto de desejo, como a corrida no pavilhão do Louvre, como o retrato da atriz a quem Theo dedica sua masturbação.
Assim, os personagens convidam os espectadores a compartilhar de seus sonhos e fantasias. Não são somente Mathew, Isabelle e Theo que projetam seus sonhos no cinema. Enquanto espectadores, temos na tela e na sala escura um palco para a experiência de vivermos sonhos e fantasias. O cinema nos mobiliza; o cinema, para nós, é um sonho. Assim como a arte em geral.
Vale lembrar sobre isso a frase de Mathew, que ao citar um diretor diz: “O cinema é o buraco da fechadura do quarto dos pais”. Quem olha por esse buraco? Todos nós, que vivemos em nosso cotidiano a duplicidade entre realidade e fantasia, entre a proibição e os desejos.
Sonhadores também foram os agentes de Maio de 68. Pelo que lutavam? Pelo que protestavam?
Por não serem escravos? Por não haver proibições? Por viverem livres para o amor?
O fato é que também eram sonhadores. O tempo e espaço do sonho são diferentes. Na cena do sonho, tudo pode acontecer.
O movimento da massa também permite que se afrouxem as correntes da moral e da lei e libera o indivíduo para viver seus impulsos, sendo que naquele momento ele não é mais um indivíduo e sim uma peça da revolução.
Uma cena interessante a esse respeito. Mathew olha a tela de uma TV e comenta o que está acontecendo. Isabelle diz: “somos puristas. Não vemos TV”. Isabelle e Theo, os “puros” vivem um paraíso, um estado idílico em que não existe discriminação, tempo, espaço, diferenças entre irmãos, pais, sexo e etc...
Theo é um fervoroso defensor da revolução maoísta, mas vive em um mundo de sonhos, lendo o livro vermelho em seu quarto. Nas últimas cenas, na seqüência que vai do testemunho dos pais, da tentativa de suicídio e da vidraça quebrada que culmina com a frase “A revolução entrou em nossa casa”, vemos o casal sendo lançado ao sonho coletivo. Ali não eram mais indivíduos, mas o que lhes restou?
O diretor não mostra a seqüência, mas podemos imaginar que ali foram consumidos.
Pelo sonho...
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Os sonhadores de hoje... (Por Mauro Luciano de Araujo- Mestrando em Cinema Brasileiro na UFSCAR)

Dreamers, de Bernardo Bertolucci é mais uma paródia política do movimento de 68.
Nessa brincadeira, a juventude continua hoje, assiduamente, tanto em mobilizações estudantis, em grêmios, ou filiando-se em entidades profundamente ligadas a partidos políticos que buscam nelas suas bases, “lutando pelo socialismo”.
No filme, vemos jovens atuais vestindo a camisa do maoísmo operário de 60 da França. O anacronismo é visível, no gesto dos atores – e na comparação com os filmes da própria época.
Bertolucci ainda prefere a estilística clássica, a narrativa mais pop, para conseguir difundir às massas (espectadores de todo o mundo) a crise entre o momento politizado das rebeliões estudantis e a atual conjuntura de individualização atual.
Gordard não gostou tanto da brincadeira. Nem Phillipe Garrel, que manda um recado em seu filme, também sobre o tema de 68, Les Amants Réguliers – Amantes Constantes (2005).
Em certo momento Théo, personagem de Louis Garrel, diz que todos os pais deveriam ser mandados para os campos, para trabalhar junto ao campesinato. Era essa a mentalidade da época, na qual o cinema ainda servia para esse tipo de discussão política, perto do materalismo científico marxista, de autores próximos à psicanálise como Althusser, Marcuse e Derrida.
Na França, por exemplo, não houve o festival de Cannes em 68 – os diretores pararam o festival em solidariedade aos estudantes e às greves gerais. O clima de manifestações não passou, pelo que vemos hoje. Mas a intensidade sim. A juventude cada vez mais, como público alvo, como audiência, como massa de manobra ou como multidão direcionada muda completamente os rumos da vida na contemporaneidade. Seja através da força, ou através da sedução erótica.

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