sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Encontros e Desencontros ( Direção: Sofia Coppola, 2003)


Exibição:26/06/07. Comentário: Emmanuel Mello (psicanalista Clin-a)
Sinopse:
Bob Harris (Bill Murray) é uma estrela de cinema, que está em Tóquio para fazer um comercial de uísque. Charlotte (Scarlett Johansson), por sua vez, está na cidade acompanhando seu marido, um fotógrafo workaholic (Giovanni Ribisi) que a deixa sozinha o tempo todo. Sofrendo com o horário, Bob e Charlotte não conseguem dormir. Eles se encontram, por acaso, no bar de um hotel de luxo, e em pouco tempo tornam-se grandes amigos. Resolvem então partir pela cidade juntos. A eles junta-se uma jovem atriz chamada Kelly (Anna Faris), com quem vão viver algumas aventuras pela cidade de Tóquio.
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Emmanuel Mello
Psicanalista Clin-a
O desencontrado encontro humano: sobre “Encontros e desencontros” de Sofia Coppola.

Traduzir é sempre interpretar. Não basta saber uma língua para conseguir-se uma tradução bem-sucedida. Lembro-me de meu pai brincando que o famosos filme de Jules Dassin, “Never on Sunday” (1960) recebeu em Portugal a tradução de “Sempre às segundas, terças, quartas, quintas, sextas e sábados” – um chiste infame, certamente.
Por vezes também chegam a ser cômicas as soluções de tradução feitas no Brasil e os exemplos, verídicos, encheriam talvez algumas páginas. No entanto, no caso deste filme de Sofia Coppola, creio que “Encontros e desencontros” é uma solução bem-sucedida para o título original “Lost in translation” (2003) que dificilmente poderia receber uma tradução melhor em português e mais próxima da idéia do filme.
O enredo se desenvolve no Japão, lugar onde Sofia Coppola sempre esteve com freqüência não só por causa de sua produção cinematográfica, mas também por seu envolvimento com o mundo da moda. Podemos pensar que este filme surge da relação muito pessoal da diretora com este lugar repleto de curiosidade e desencontros, onde o novo, o ultra novo da tecnologia, tenta manter o convívio com o mais tradicional de uma cultura milenar; onde a introspecção e a paciência “zen” fazem contraponto ao mais frenético da ansiosa urgência capitalista. Talvez não haja, realmente, um lugar onde os desencontros numa cultura possam ser melhor explorados do que no Japão – talvez o Brasil seja um outro tipo de desencontro social, no entanto, muito mais perverso e cruel.
Numa das primeiras cenas vemos Bob Harris (o sempre maravilhosamente irônico Bill Murray) da janela de um táxi olhando curioso, toda a luminosidade capitalista de um grande centro urbano que logo percebemos não ser americano, pois no espelho em que se transformou aquela pequena janela vemos deslizar umas letrinhas estranhas e indecifráveis. Agora sabemos: poderia ser na América do Norte, mas é Tóquio.
Para falar deste desencontro na linguagem onde sempre se perde algo na tradução, Sofia Coppola transforma os japoneses em coadjuvantes de dois personagens marcados por esta estrangeirice, esse desencaixe, esse incômodo de viverem num lugar onde não compreendem nem são compreendidos.
È nesse lugar de desencontro que um encontro acontece de forma casual e contingente. Ocorre de Bob Harris, um ator em fim de carreira e com um casamento de 25 anos em decomposição, e Charlotte (Scarlett Johansson), uma recém formada em filosofia e recém casada com um ocupadíssimo fotógrafo de Hollywood, estarem no mesmo hotel. Note-se que o encontro é possibilitado não pelo fato deles falarem a mesma língua (pois haviam inúmeros falantes do inglês naquele hotel – inclusive uma cantora de bar que, na evidência de que poucos a entenderiam, permite-se, mantendo a melodia, cantar de qualquer jeito e até inventar palavras) mas porque algo, para além da língua, os enlaça e os aproxima.
Uma diretora americana precisa dar as soluções para os impasses – isso é mesmo uma imposição de sua cultura. Porém, o que surpreende em “Encontros e desencontros” é que a diretora consegue escapar do senso comum e nos oferecer uma tradução bela do desencontrado encontro humano.
Depois de nos ter surpreendido com cenas que, repletas de beleza, sensibilidade e delicadeza, nos fizeram passear pelos recônditos dos mistérios do amor e do frágil encontro humano, o filme poderia ter terminado com a despedida emocionada de Charlotte e Bob; poderíamos, enquanto os créditos fossem subindo, vê-los, cada um na sua direção, tristes pela despedida, mas ao mesmo tempo felizes por haverem se encontrado na vida de forma tão bela ainda que tão breve. Sofia, porém, nos surpreende e, nos momentos finais nos brinda com uma cena belíssima: Bob vê Charlotte apesar de toda a multidão que a cerca, chama-a, e, no seu ouvido diz-lhe algo que só interessa aos dois e a mais ninguém.
Um golpe de mestre de uma cineasta genial! Sofia Coppola nos oferece a chance de inventarmos nossa própria solução para o desencontro e nos ensina que o fato de não podermos dizer tudo o que queríamos uns aos outros; o fato de, como diria Lacan, não existir a relação sexual e do encontro total ser impossível não quer dizer que os encontros não sejam possíveis. São possíveis e alguns são repletos de beleza – como esse que Sofia Coppola nos oferece.
Sou grato a ela por isso.

Um comentário:

Anônimo disse...

Si, probabilmente lo e